– Nós temos que verificar isso imediatamente! – Alexis não pensou duas vezes.
– Sim, vão e tomem cuidado. – Rei Céleo parecia ficar muito triste por não poder ajudar nas batalhas.
– Eu vou também! – Amadeus se prontificou a nos ajudar.
– Mas não vai mesmo! – Alexis começou a implicar.
– Alexis, achei que já tínhamos resolvido isso. – falei irritada.
– Não resolvemos não! – Alexis gritou – Você e meu pai decidiram isso, mas os outros do grupo nem sabem da existência dessa pessoinha. Se for para ser justo...
– Que justo? Justo o que? – perguntei – Por favor, Alexis...
– Eu não quero! – Alexis bateu o pé feito criança.
– Alexis cresça! – briguei.
– Isso não é questão de ser ou não ser infantil – Alexis tentou se defender – a questão aqui é confiar ou não nele.
– Mas eu confio, Rei Céleo confia – estava ficando irritada de verdade – só você que parece não confiar.
– E não confio mesmo! – Alexis quase gritou.
– Pra que toda essa implicância? – perguntei – Custa deixar-lo participar da ação?
– Custa! – Alexis gritou – Ele pode nos atrapalhar. E ainda tem a chance dele ser um...
– Espião de Bianor? – adivinhei – Faça-me o favor Alexis de calar essa sua boca e deixar o Amadeus ir conosco!
– Ele não é o Amadeus! – Alexis continuou gritando.
– Ele sendo ou não o Amadeus não me importa – também gritei – ele quer ajudar e ele vai ajudar!
– Se você está tão a fim de proteger esse “inho”, que fique com ele. – Alexis virou o rosto – Mas também não venha me procurar.
– Você está terminando comigo? – perguntei.
– Estou! – Alexis não olhou para mim.
– Ótimo! – bufei – Se você quer assim!
– Ótimo pra mim também – Alexis continuou sem olhar pra mim – É exatamente assim que eu quero.
– Então vai ser assim! – virei o rosto para ele também – Ótimo!
– Ótimo mesmo! – Alexis ficou emburrado.
– Digo mais – retruquei – É mais que ótimo. É ótimo, ótimo, ótimo.
– Então... arg... Que seja, pra mim está ótimo! – Alexis voltou a me fitar no mesmo instante em que eu voltei a olhar pra ele.
– Eu te odeio! – gritei.
– E eu te odeio mais! – Alexis rebateu.
– Mas eu te odeio o dobro do que você me odeia! – continuei gritando.
– É eu te odeio o triplo desse dobro! – Alexis falou alto.
– E eu te odeio o...
– Desculpe – Amadeus interrompeu – Vocês poderiam decidir quem se odeia mais depois? Acho que agora temos algo mais importante para fazer!
– Minha nossa, as explosões! – gritei.
– É tudo culpa sua! – Alexis alfinetou.
– Minha? – perguntei.
– Sua sim! – Alexis insistiu.
– Quem estava barrando a inda de Amadeus a ação? – dei minha alfinetada.
Ficamos nessa discussão durante todo o caminho até a cidade. Amadeus foi conosco e acredito ter tentado ignorar a nossa infantilidade. Se eu me visse fazendo isso teria vergonha de mim mesma. Uma guerra acontecendo e eu brigando com o Alexis para saber quem começou com o que. Acho que foi uma péssima segunda impressão pro Amadeus.
Chegamos à cidade e não encontramos nada. As explosões pareciam ter acabado e não tinha ninguém invadindo a cidade. Se não fosse os rastros das explosões poderíamos pensar que não aconteceu nada por aqui, que foi apenas um engano.
As casas não foram completamente destruídas. As poucas que foram atingidas havia perdido apenas uma parte do telhado, mas nada que não pudesse ser reparado rapidamente. Os danos maiores estavam nos estabelecimentos. Toda mercadoria estava perdida e muitos dos estabelecimentos estavam em ruínas.
– Não! – Alexis sussurrou – Isso não podia ter acontecido!
– Mas o que foi que passou por aqui? – perguntei a mim mesma.
– Moça? – Amadeus foi mais rápido que eu e Alexis – A senhorita estava por aqui quando tudo aconteceu certo?
– Foi horrível! – a moça tapava os olhos com as mãos – Foi tudo horrível.
– Será que poderia nos contar o que aconteceu? – perguntei.
– É muito importante! – Alexis ajudava a moça a se levantar.
– Foi tudo muito horrível! – a moça não tirava as mãos dos olhos.
– Sim, você já disse isso. – Alexis falou baixo.
– Alexis! – dei um beliscão no bumbum dele – Deixe a moça se recompor.
– Desculpem-me – a moça começava a se acalmar – É que foi tudo muito horrível mesmo.
– Mas a senhorita consegue se lembrar de algo? – Amadeus perguntou calmo – Como começou? A senhorita viu?
– Eu... – a moça respirou fundo – Sim, eu vi. Foi horrível.
Alexis bufou e virou os olhos para cima. Eu, novamente, dei um beliscão no bumbum dele, que revidou com um tapa leve na minha mão. Olhando assim nem parecíamos recém ex-namorados.
– Você poderia tentar se lembrar de algo além do horrível? – Alexis tentou não ser rude, mas foi.
– Não estrague as coisas! – sussurrei no ouvido de Alexis.
– Mas nós não temos tempo a perder! – Alexis sussurrou de volta.
– Nós temos tempo sim! – Amadeus o enfrentou – O pior parece já ter passado.
– Disse bem – Alexis rebateu furioso – parece.
– Não enche! – Amadeus fez sinal de desdém e voltou a aparar a moça.
– Ele disse o que? – Alexis se enfureceu.
– Calma Alexis – já fui segurando-o.
– Você acredita mesmo que é um príncipe – Alexis tentou se acalmar – Pois bem, prove e porte-se como um príncipe. Você está agindo feito um vândalo.
– Você é um príncipe legitimo certo? – Amadeus encarou Alexis.
– É evidente que sim! – Alexis encheu o peito mostrando superioridade. – Pois então você já tem provas o suficiente de que estou me portando como um príncipe, pois não fiz nada de diferente do que você vem fazendo desde que nós conhecemos.
– Mas que atrevido! – Alexis falou alto.
– Do nada. – a moça começou a reagir – Do nada.
– Do nada o que? – perguntei carinhosamente.
– Do nada. – ela voltou a repetir.
– Ótimo – Alexis bufou – pelo menos ela mudou de página. Já tava cansado do “foi terrível”.
– Alexis! – dei um tapa em seu ombro.
– Mas é verdade! – Alexis passou a mão no ombro estapeado.
– Moça, por favor, tente se lembrar. – perguntei com cuidado.
– Eu estava andando – a moça parecia estar começando a se recompor – estava indo até o mercado. Eu precisava comprar frutas. Frutas para os meus irmãos. Esse tem sido tempos difíceis para todos nós.
– Sim, mas chegue ao ponto. – Alexis novamente foi rude. Olhei com cara feia para ele.
– Continue. – disse segurando a mão da moça.
– Eu entrei no mercado, quando... quando...
– Quando o que? – Alexis foi mais gentil desta vez.
– Não! – a moça começou a gritar – Por favor, não me machuque! Não me machuque!
– O que estava tentando te machucar? – Amadeus perguntou.
– O monstro – a moça estava desesperada – Um monstro horrendo.
– Um monstro? – perguntei – Como era esse monstro? Você pode nós contar? Você consegue?
– Era horrendo! – a moça tapava os olhos – Era muito horrendo. E aquele olhos. Oh, o que eram aqueles olhos. Eles gritavam. Gritavam de horror. Suas cabeças lutavam pelo controle do corpo e os olhos gritavam. Eles gritavam.
– Cabeças? – Amadeus ficou preocupado.
– Eram cabeças de que? – perguntei.
– Eram cabeças de homens. – ela sussurrou – Cabeças de homens em um corpo de dragão. Mas os olhos não. Os olhos eram diferentes. Os olhos gritavam. Eles gritavam. Eles gritavam.
– Mas como isso começou? – perguntei.
– Do chão. – a moça continuava com os tapados – Ele abriu um buraco do chão e veio subindo e subindo soltando fogo pele nariz. Seus gritos pareciam explosões. Grandes explosões.
– E o que aconteceu com esse monstro? – Amadeus perguntou.
– Não! – a moça destapou os olhos. Estavam arregalados de forma quase inumana – Eu não vi nada. Eu não sei de nada. Se eu souber de alguma coisa ele vai vir me pegar. Ele me pega. Ele me pega!
– Ele não vai te pegar – tentei tranquilizar a moça – Nós protegeremos você.
– Não. – a moça continuava com os olhos arregalados – Você não podem me proteger. Ninguém pode me proteger. Apenas eu posso me proteger. Ele só vai vir me pegar se eu contar. Se eu não contar ele não vem. Eu só estarei a salvo quando ele vier novamente se eu não contar.
– Vier novamente? – Alexis falou alto – Ele vai atacar novamente a cidade?
– Não! – a mulher gritou desesperada – Eu não falei. Eu não falei. Eu não falei.
– Calma moça! – tentei segurar-la, mas ela se debatia demais.
– Eu não falei nada. – ela continuava gritando – Eu não falei nada.
– Moça espere! – Amadeus tentou segurar a moça, mas ela conseguiu escapar.
A moça correu pela cidade feito louca. Ela continuava gritando e parecia completamente desgovernada. Corremos atrás dela. A moça correu até o porto.
O porto não era assim tão longe da cidade, mas de qualquer forma era um bom caminho. Tentamos segurar-la e quase conseguimos algumas vezes, mas ela parecia completamente fora de si e continuava correndo. Ela correu e correu e nem viu que foi em direção ao mar. Ela se atirou de tal forma que não conseguimos imaginar-la sobrevivendo aquilo, mas Alexis e Amadeus pularam na água de qualquer forma. Não encontraram nada.
– Que coisa horrível! – eu estava chorando.
– Mas de onde saiu um monstro tão horrível assim a ponto de enlouquecer uma pessoa até a morte? – Amadeus também parecia triste.
– Eu não sei – Alexis ficou sério – mas ele precisa ser destruído o quanto antes!
– Nisso eu sou obrigado a concordar com você. – Amadeus também ficou sério.
– Eu só espero que isso não tenha acontecido com mais ninguém. – respirei fundo.
Voltamos para a cidade e encontramos Neandro e Nicardo. Eles estavam tão confusos quanto nós quando chegamos para averiguar o que havia acontecido por ali. E pela cara que eles fizeram quando nos viram provavelmente já desconfiavam de que viria bomba pela frente.
– O que aconteceu? – Neandro perguntou assustado.
– É uma longa história. – Alexis respondeu – Vamos para o castelo e no caminho eu te conto.
– E esse amigo de vocês? – Nicardo perguntou fitando Amadeus.
– Ah, esse? – Alexis respondeu em um tom híspido – Esse é uma história mais longa ainda.
– Nicardo, você fica aqui e vigia a cidade, tudo bem? – Neandro sugeriu.
– Tudo bem. – Nicardo não pareceu gostar tanto assim da idéia.
– Agora conte o que aconteceu. – Neandro apressou o assunto.
– Ao que tudo indica, um novo monstro surgiu. – contei – Falamos com uma moça e ela contou, completamente atordoada, que o monstro saiu do chão e que tinha duas cabeças humanas grudadas em um corpo de dragão.
– Cabeças humanas? – Neandro estranhou.
– Foi o que eu pensei. – Amadeus entrou na conversa – Não acham muito estranho um monstro com cabeças humanas?
– Isso só seria possível se houvesse alguma experiência de metamorfose – Neandro cogitou a hipótese – mas esse tipo de experiência e proibido!
– E desde quando Bianor liga para o que é ou não é proibido? – Amadeus lembrou muito bem.
– Mas para que ele faria algo tão terrível? – Neandro perguntava mais para si próprio.
– Castigo talvez? – Amadeus sugeriu – Alguns pobres inocentes que acabaram na linha de fúria de Bianor.
– Mas teve outra coisa estranha nessa história. – lembrei – A moça mencionou varias vezes sobre os olhos do monstro. Olhos que gritavam.
– Olhos que gritavam? – Neandro se assustou – Isso é realmente muito estranho.
– Ela pareceu ficar muito traumatizada com esses olhos. – continuei contando – E ainda disse que o monstro irá voltar.
– Como? – Neandro se apavorou – E onde está essa mulher? Precisamos falar com ela imediatamente! Nós precisamos de mais informações para...
– Não vai dar! – encurtei a conversa – Ela ficou tão amedrontada por ter nos contado isso que saiu desesperada em direção ao porto e se jogou ao mar.
– Eu e esse ao meu lado até tentamos ajudar – Alexis não parava de implicar – mas o corpo da moça desapareceu.
– Desapareceu? – Neandro ficou chocado – Essa guerra está indo mais longe do que eu gostaria.
– Eu também não estou gostando nada do rumo que essa guerra está tomando. – tentei consolar Neandro.
– Ninguém está gostando. – Alexis concordou.
– Eu não sei se estou preparada para enfrentar o que está por vir. – confessei.
– Mas é melhor que fiquem preparados – Amadeus colocou a mão no ombro de Neandro – essa guerra ainda nem começou.
– Infelizmente eu sei disso! – Neandro baixou a cabeça.
– Então não fique com essa cabeça baixa e vamos juntos enfrentar o que vier! – Amadeus animou o grupo.
– Você está certo! Não devemos fugir. – Neandro ergueu a cabeça e fitou Amadeus – Mas, com perdão da indelicadeza, que é você?